Em 2024 a safra da lagosta foi diferente. Mas não tão diferente assim. Pela primeira vez, um limite de captura (ou cota anual de pesca) entrou em cena. A produção, contudo, não alcançou o gatilho de 95% das 6.192 toneladas definido como limite para fechar a temporada. Assim a pesca se encerrou, como nos anos anteriores, em 31 de outubro.
E, ainda que no mar os trabalhos tenham terminado, em terra, há muito ainda a ser feito para que os avanços recentes na gestão se materializem como legado para pescadores, exportadores e, sobretudo, para os estoques de lagostas que sustentam toda esta engrenagem.
A lagosta-vermelha, nossa principal espécie de lagosta, se encontra em uma situação delicada. Sua população, segundo as avaliações mais recentes, segue em estado de sobrepesca, isto é, com biomassa abaixo daquela que traria os melhores rendimentos para a pescaria, ao passo que a pressão de captura se encontra acima dos níveis máximos recomendados.
A produção que temos hoje também está quase que integralmente baseada em indivíduos pequenos, que recém se tornaram adultos e que ainda pouco contribuíram para a reprodução e regeneração da população. Este quadro é consequência de um histórico de descontrole na gestão, que permitiu capturas excessivas, resultando na diminuição de sua abundância no mar brasileiro e na redução no tamanho das lagostas capturadas ano após ano.
Ao incluir um limite de captura (ou cota) como mais uma medida de ordenamento na pescaria, o governo deu um passo importante em 2024 – conceitual e operacionalmente. No aspecto conceitual, avançamos na ideia de que a natureza (e, nela, os estoques pesqueiros) consegue suportar a pressão humana apenas até certo ponto.
Ter um limite explícita e quantitativamente definido em uma norma pesqueira tem, portanto, a função de estabelecer uma barreira para que os atores envolvidos nessa pescaria entendam que há um ponto que, se extrapolado, impactará a pesca de amanhã. No aspecto operacional, ter uma cota dificulta que estes limites da natureza sejam extrapolados.
Mas, como dito, o gatilho para fechamento da pescaria pela cota sequer foi atingido neste ano – e isso preocupa. O limite de captura de 6.192 toneladas, sabidamente superior à produção média desembarcada nos últimos anos, não contribuiu para a necessária redução da pressão pesqueira nessa safra, merecendo reflexão séria por parte de gestores e cientistas.
É hora de refazer as contas. O Grupo Técnico Científico do CPG Lagosta, responsável pela recomendação técnica que foi base para a cota desta safra, tem que reavaliar estes quantitativos. O fato de que pescadores e empresários, mesmo atuando em pleno vapor, não conseguiram capturar toda a cota de uma espécie acende um sinal de alerta vermelho sobre a biomassa de lagosta disponível.
Outras medidas importantes para recuperar o estoque, já previstas em normas anteriores, seguem valendo e precisam ser postas em prática como nunca. A principal delas é a proibição - de fato, não só no papel - da comercialização das lagostas em território nacional durante os últimos três meses do defeso (fevereiro a abril).
A medida é essencial para sufocar o mercado clandestino em restaurantes e barracas de praia, que oxigenam a pesca ilegal no período reprodutivo e minam as tentativas de aumentar a biomassa de lagostas no mar. Órgãos gestores e fiscalizadores precisam iniciar imediatamente uma campanha de informação e conscientização dos estabelecimentos quanto à essa proibição para que, a partir de fevereiro de 2025, o comércio clandestino, que em muitos locais ocorre à luz do dia e aos olhos de todos, possa ser fiscalizado e banido.
Um primeiro e importante passo foi dado, com medidas factíveis e testadas mundialmente para reverter quadros de sobrepesca e para a recuperação de estoques. Vale lembrar que a lagosta é o recurso pesqueiro mais valioso do Brasil. Revisar e ajustar cada medida é a tônica da gestão pesqueira e, assim sendo, um dos pontos que demandam revisão é o volume a ser autorizado para a safra 2025.
Combater a pesca ilegal é, da mesma forma, extremamente importante e a normativa que proíbe a comercialização da espécie no mercado interno traz uma grande oportunidade para restrição do comércio clandestino. Há ainda muito trabalho fora da safra, basta, agora, vontade política.
Fonte: seafoodbrasil.com.br
Postado em 22-11-2024 à55 07:23:55