Com crescimento de 10% ao ano na última década, piscicultura brasileira enfrenta gargalos para se manter em expansão

Mesmo diante de desafios, a piscicultura brasileira vem se expandindo a uma taxa de 10% ao ano na última década, tendo atingido no último ano 887.029 toneladas de peixes de cultivo produzidas, crescimento de 3,1% em relação a 2022. Superando adversidades como clima, questões sanitárias e gargalos logísticos, a atividade posiciona o Brasil entre os maiores produtores mundiais de peixes de cultivo, especialmente de tilápia, espécie que é o carro-chefe da produção nacional. Em entrevista exclusiva ao Jornal O Presente Rural, o presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), Francisco Medeiros, destaca o crescimento robusto do setor, os gargalos e as perspectivas para os próximos meses de 2024.

Criada em outubro de 2014, a PeixeBR completa uma década de atuação este ano, período em que desempenhou um papel importante para o desenvolvimento da piscicultura nacional. “Nos últimos 10 anos, os peixes de cultivo foram a proteína animal que mais cresceu percentualmente no Brasil”, exalta Medeiros, atribuindo esse sucesso às ações estratégicas realizadas pela Associação junto aos seus associados, que resultaram em um aumento expressivo na produção e na melhoria dos processos de abate nas agroindústrias.

Um dos exemplos mais expressivos desse crescimento é da região Oeste do Paraná, considerada o maior polo de piscicultura do país. “As principais tecnologias e a maior produtividade se concentram nessa região, servindo de exemplo para outras regiões, como dos Grandes Lagos, em São Paulo, Triângulo Mineiro, Alto Paraíba e Morada Nova de Minas, no estado de Minas Gerais, além de Paulo Afonso, na Bahia”, expôs Medeiros, enfatizando que o Mato Grosso se destaca atualmente como o estado com maior número de investimentos na atividade, impulsionado pelas experiências bem-sucedidas no Oeste paranaense.

Principal espécie produzida no país, a tilápia representa mais de 65% da produção total, atingindo um crescimento de 10,2% ao ano na última década. “Um fator importante para o crescimento da tilapicultura é o fato de que a tilápia é o único pescado que é commodity no mundo, produzido em mais de 100 países e comercializado em mais de 140. Isso favorece o desenvolvimento da atividade, permitindo trocas de informações e acesso a tecnologias avançadas”, frisou o presidente da PeixeBR, evidenciando o interesse crescente de empresas de saúde animal, genética e nutrição no setor, impulsionado pela natureza globalizada da produção de tilápia. “Os grandes players do agronegócio, tanto nacional como internacional, estão entrando no mercado da piscicultura, o que traz novas oportunidades, mas também muitos desafios”, frisa.

Resiliência do setor

Apesar dos bons resultados, Medeiros ressalta que a atividade tem muito a melhorar, especialmente em termos de gestão e adaptação às condições climáticas, como as variações de temperatura que impactam a alimentação e o peso dos peixes. Porém, salienta que a cadeia produtiva é resiliente e está atenta às mudanças que afetam o setor e ao comportamento do mercado consumidor.

O presidente da PeixeBR também reforça que a estação mais fria do ano influencia diretamente na criação de tilápias. Ele explica que tradicionalmente, por volta de abril, as tilápias reduzem a alimentação devido à queda na temperatura da água, resultando em uma menor oferta de filé de tilápia no mercado. No entanto, Medeiros diz que 2024 foi atípico. “Em julho, o Paraná experimentou um frio mais prolongado, enquanto no início do inverno os períodos de frio foram curtos e menos intensos. Isso permitiu que as tilápias crescessem mais, atingindo um peso maior, o que resultou em um aumento na oferta de filé no mercado, já que os consumidores compram o produto por peso. Em 2023, a média de abate no Paraná era de 700 gramas, enquanto que em 2024 está em 950 gramas, ou seja, o produtor aumentou em um ano quase 30% a oferta de filé com a mesma quantidade de peixe”, menciona.

Embora o preço da tilápia esteja abaixo do praticado no mesmo período do ano passado, os produtores tiveram uma redução no custo da ração, o que influência diretamente na rentabilidade do negócio. “Neste cenário, a gestão eficiente se torna fundamental. Enquanto alguns produtores enfrentam prejuízos, outros conseguem equilibrar as contas e há ainda aqueles que estão lucrando”, afirma Medeiros, acrescentando que historicamente o inverno é um período de baixa liquidez ao produtor, porque o consumidor acaba substituindo a tilápia por outras proteínas. “Esperamos uma retomada nos preços até o final de setembro”, afirma, otimista, o presidente da PeixeBR.

Presença do Brasil no mercado internacional

O Brasil tem se destacado cada vez mais no mercado internacional de pescado, especialmente na exportação de tilápia. Quarto maior produtor mundial da espécie, o país atualmente exporta para mais de 40 nações, com destaque para os Estados Unidos (EUA) e o Canadá, os maiores consumidores de filé de tilápia do mundo. “O mercado norte-americano tem sido o foco principal das exportações brasileiras, com mais de 50% do volume exportado sendo de filés frescos, que são melhor remunerados nos EUA. Em contrapartida, os filés congelados enfrentam forte concorrência com os produtos chineses, que, embora de qualidade inferior ao pescado brasileiro, dominam parte do mercado devido a questões logísticas e de preço”, detalha Medeiros.

Contudo, um dos principais desafios enfrentados pelo Brasil para aumentar sua competitividade no mercado global é a logística. O transporte do filé de tilápia, que deve chegar aos EUA em até 48 horas após o peixe sair da água, é realizado via voos comerciais de passageiros, o que impõe limitações. Além disso, o processo de liberação dos certificados de exportação pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) pode levar até quatro dias, um prazo que, embora razoável para outros produtos do agronegócio, é insuficiente para a exportação de filé de tilápia fresco. “Temos trabalhado junto ao Ministério para otimizar esses prazos e, assim, permitir que o Brasil aumente sua participação no mercado internacional de tilápia”, adianta.

Perspectivas de crescimento

Para que o Brasil se consolide como um dos maiores exportadores de pescado do mundo, Medeiros diz que é essencial continuar aumentando a produção. Em 2023, as exportações cresceram 48% em relação ao ano anterior, contudo, segundo ele, o crescimento poderia ter sido ainda maior. “A indústria optou por priorizar o mercado interno, que ainda está em expansão e apresenta grande potencial de consumo”, salienta.

O cenário cambial atual, com o dólar acima de US$ 5,60, tem sido favorável para as exportações, tornando o produto brasileiro mais competitivo no mercado internacional. Mesmo assim, a indústria continua a atender prioritariamente o mercado interno, o que indica que, com o aumento da produção, o Brasil pode explorar ainda mais o mercado externo sem comprometer o abastecimento doméstico.

De acordo com Medeiros, o Brasil está bem posicionado para expandir suas exportações de pescado, mas enfrenta desafios logísticos que precisam ser superados para que o país aproveite todo o seu potencial no mercado global. “Com um produto de alta qualidade e um mercado interno em crescimento, o país tem todas as condições de aumentar sua competitividade e alcançar posições ainda mais altas no ranking mundial de exportadores de pescado”, avalia o presidente da PeixeBR.

A tilápia responde atualmente por 65% da produção de peixes de cultivo no Brasil, consolidando-se como a espécie líder do setor. Com esse protagonismo, surgem questionamentos sobre as perspectivas de crescimento nos próximos anos e os riscos de uma possível dependência excessiva dessa espécie. “O mundo escolheu consumir a tilápia, não é uma decisão exclusiva dos consumidores brasileiros, mas uma tendência global”, aponta o presidente da PeixeBR, enfatizando: “Assim como o suíno branco, o frango de corte, a soja e o milho se tornaram commodities de relevância mundial, a tilápia se destaca por sua produção competitiva e acessível a todas as faixas etárias e classes sociais. Ou seja, não é uma escolha do produtor brasileiro, é uma escolha do mundo”.

Consumo Interno

Apesar dos avanços, o consumo per capita de pescado no Brasil permanece abaixo do ideal, com média de aproximadamente 9 kg/habitante/ano, quando a nível mundial a média pode chegar a 20 kg/habitante/ano. “A PeixeBR tem realizado várias ações em parceria com as empresas associadas para impulsionar o consumo interno, no entanto, reconhecemos que ainda há espaço para maior adesão dos brasileiros ao peixe em suas dietas. Temos trabalhado ativamente para implementar diversas estratégias de incentivo ao consumo, o que tem feito com essa seja a proteína animal que mais cresceu em termos percentuais entre os consumidores brasileiros na última década”, enfatiza.

Gargalos na produção de peixes nativos

Enquanto a tilápia segue em expansão, os peixes nativos do Brasil enfrentam um cenário de desafios. O presidente da PeixeBR aponta que, nos últimos sete anos, a produção de espécies nativas sofreu uma retração de mais de 13%. Entre os principais entraves ao desenvolvimento dos peixes nativos no país estão a falta de industrialização, de genética aprimorada, de nutrição adequada e de políticas eficazes de sanidade.

Segundo uma projeção recente do Instituto Escolhas, o crescimento esperado para os peixes nativos nos próximos 10 anos é de apenas 4,6%. “Esse crescimento é acumulado em uma década, não anual. Diferente da tilápia, os peixes nativos carecem de investimentos em todas as áreas, desde genética até a indústria de abate”, evidencia Medeiros.

Um exemplo que ilustra essa disparidade é um contraste entre a cidade mineira Morada Nova de Minas, que produz 35 mil toneladas de peixes e possui sete frigoríficos com serviço de inspeção, enquanto Rondônia, estado líder na produção de peixes nativos, possui apenas três frigoríficos, evidenciando o gargalo na industrialização. “Sem a indústria de processamento, não há como expandir a produção de peixes nativos, pois o consumidor final raramente compra um peixe fresco inteiro para processar em casa. O processamento industrial é essencial para que o pescado chegue de forma prática e acessível ao prato dos brasileiros”, observa Medeiros.

Conforme o presidente da PeixeBR, a reestruturação da cadeia produtiva dos peixes nativos vai exigir pelo menos uma década de investimentos estratégicos, especialmente no desenvolvimento de indústrias de processamento. “Atualmente, sem essa estrutura, os peixes nativos estão se tornando um produto de nicho, o que não é necessariamente ruim, mas precisa ser valorizado com preços mais altos para garantir rentabilidade. Caso contrário, a perda de margem tornará inviável a continuidade dessa produção”, ressalta.

A situação já impacta diretamente estados como Mato Grosso e Rondônia, onde muitas estruturas produtivas estão desativadas. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, mais de 30% dos viveiros que antes cultivavam peixes nativos foram desativados por falta de rentabilidade e perspectivas de melhoria. “A produção existe, mas sem uma indústria adequada para absorver e processar esse pescado, a atividade se torna insustentável”, acrescenta.

Receita do setor

Em 2024, a produção de peixes de cultivo movimentou cerca de R$ 9 bilhões no Brasil, refletindo a força crescente do setor. As perspectivas para os próximos anos são promissoras, com projeções de expansão significativa. “A única certeza que temos é que em 2024 o crescimento será muito superior ao de 2023”, destaca Medeiros, reforçando que a receita com a tilápia deverá se manter em dois dígitos este ano.

No contexto geral da cadeia de peixes de cultivo, o setor deve alcançar um dos maiores aumentos de produção já registrados no país, especialmente se os próximos quatro meses se mantiverem estáveis. “Se tudo correr conforme o esperado, 2024 será o ano com o maior crescimento na produção de peixes de cultivo no Brasil”, projeta Medeiros.

Esse cenário, contudo, favorece mais o consumidor do que o produtor, especialmente em um momento em que o Brasil caminha para uma supersafra de commodities. “O aumento da oferta tende a pressionar os preços para baixo, beneficiando os consumidores com produtos mais acessíveis, enquanto os produtores enfrentam margens de lucro reduzidas. Esse efeito varia de mercado para mercado, mas a tendência geral é de que o consumidor seja o principal beneficiado pela queda dos preços”, explica Medeiros.

Sanidade e mercado ditam rumos da piscicultura

O futuro da piscicultura no Brasil, especialmente no setor de tilapicultura, depende de uma série de fatores que vão além da capacidade produtiva dos criadores. “O sucesso da tilápia brasileira, por exemplo, está diretamente ligado a dinâmica do mercado de insumos, especialmente milho e soja, que são os principais componentes da alimentação dos peixes”, declara.

Além dos fatores econômicos, a sanidade tem se mostrado um dos maiores desafios tanto para a criação de tilápias quanto de peixes nativos. Segundo o presidente da PeixeBR, o mercado já é, por si só, um desafio permanente, com suas flutuações e demandas, mas a questão sanitária permanece como a maior preocupação para os piscicultores. “Todos os dias surgem novos desafios a serem superados. Precisamos aprender a conviver com isso e, ao mesmo tempo, investir em novas tecnologias e vacinas para garantir a saúde e a sustentabilidade do setor”, ressalta, contando que um dos maiores riscos enfrentados atualmente é a entrada do vírus TiLV, que pode causar grandes prejuízos à produção. “Estamos trabalhando incansavelmente para evitar a disseminação desse vírus, mas os riscos sanitários são sempre grandes”, expõe Medeiros.

Expectativas para encerrar 2024

Em contínua expansão, a expectativa da PeixeBR é que o Brasil consolide ainda mais sua posição como um dos principais produtores de tilápia no mundo. Medeiros diz que as perspectivas são promissoras, mas dependem de diversos fatores, desde o clima até mudanças regulatórias e de mercado. “Esperamos uma regularidade pluviométrica nos próximos meses de 2024, com maior concentração de chuvas entre setembro e outubro nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, essenciais para a reposição de represas e lagos para garantir boas condições para a produção, especialmente de peixes nativos, uma vez que a água é o principal insumo da piscicultura, e, sem ela, não há como sustentar o crescimento que projetamos”, enfatiza.

Medeiros destaca que o país conta com três principais tipos de produtores: independentes, empresas verticalizadas e as integradoras. Segundo o presidente da PeixeBR, o sistema de integração, que envolve parcerias entre pequenos produtores e grandes empresas ou cooperativas agropecuárias, está se tornando uma das formas mais seguras de operação, especialmente em um cenário de volatilidade de preços. Por outro lado, grandes grupos econômicos apostam na verticalização, controlando todas as etapas da cadeia produtiva. “A tendência é uma redução gradual do número de produtores independentes, que estão perdendo competitividade em comparação com sistemas integrados e verticalizados. No médio e longo prazo, esse movimento deve continuar, com cada vez menos independentes no mercado”, prevê Medeiros.

Além disso, a gestão eficiente da propriedade se tornou tão ou mais importante do que a produção em si. “Protocolos de gestão são fundamentais para aprimorar processos e garantir a competitividade no setor”, reforça Medeiros, enfatizando que o futuro da piscicultura brasileira depende não só de inovações tecnológicas, mas também de uma gestão que acompanhe o crescimento do mercado, assegurando a sustentabilidade e a lucratividade dos negócios.

Fonte: opresenterural.com.br



Postado em 27-09-2024 à09 07:26:09

Associe-se à ABRAPES!

Entre em contato conosco e associe-se à ABRAPES!
Endereço: Av. Paulista 1765, 7º andar, Conj. 72 CV: 8532 - Bela Vista, São Paulo/SP
CEP: 01311-200
Telefone: +55 11 5105 8269
E-mail: contato@abrapes.org


Associação Brasileira de Fomento ao Pescado - ABRAPES

A ABRAPES é composta por indústrias, importadores, exportadores, distribuidores, tradings e varejistas, todos unidos em prol do desenvolvimento do setor de pescado.